terça-feira, 12 de setembro de 2017

REFORMA PROTESTANTE COMO UMA COSMOVISÃO





Esse ano comemoraremos 500 anos da Reforma Protestante. No século XVI a igreja vivia nas trevas da ignorância espiritual, teológica, social e cultural. O domínio tirano feito pela Igreja Romana era sufocante em todas as partes civilizadas no mundo da época. O povo não tinha acesso à Escritura, somente o clero, por isso a ignorância e manipulação religiosa abrangia praticamente a todo cristão. A maneira de enxergar a vida era ditada pela igreja e não pelas Escrituras, com isso, não existia entre o povo um claro entendimento da realidade.
Contudo, Deus na sua providência levantou homens como Lutero, Calvino, Ulrich Zwinglio, Martin Bucer, Felipe Melachthon, François Turretini e vários outros brilhantes e piedosos teólogos. Normalmente enfatizamos apenas os gritos da Reforma, conhecidos como os 5 Solas: Somente as Escrituras (Sola Scriptura), Somente Cristo (Sola Christus), Somente a Graça (Sola Gratia), Somente a Fé (Sola Fide) e Somente a Glória a Deus (Soli Deo Gloria). Embora a ênfase tenha sido teológica, um retorno a Escritura, não podemos deixar de considerar que a Reforma foi também uma nova cosmovisão!
Mas o que é Cosmovisão? O termo cosmovisão é a tradução de uma expressão alemã “weltanschauung” que significa “modo de olhar o mundo”.[1] Esse termo pode erroneamente ser visto como algo puramente acadêmico, como algo sem sentido e sem qualquer importância para a nossa vida. Todavia é um termo prático e faz parte da nossa realidade, Cosmovisão é a soma total de suas crenças sobre o mundo, o conjunto de tudo que dirige suas decisões e vida diária.[2] Todo indivíduo tem uma cosmovisão! Cada um de nós enxerga a vida de um ponto de vista, que pode ser comum a outros em muitos aspectos ou não.
Os reformados com sua ênfase na Escritura e não na tradição religiosa como norma de vida e prática do cristão, mudaram a perspectiva de vida da cultura da época. A família, o trabalho, a sociedade, a cultura, e principalmente a igreja, foram reconstruídos sob a cosmovisão bíblica, desconstruindo toda distorção edificada por séculos de ignorância. A arte e a ciência foram diretamente afetados e o cristianismo começou a influenciar e produzir arte e ciência com pressupostos bíblicos, sem desprezar o uso legítimo da razão.
Como efeito dessa avalanche cultural cristã, universidades importantes até os nossos dias, como Harvard (EUA), Princeton (EUA), Cambridge (Reino Unido), Oxford (Reino Unido), Stanford (EUA), Yale (EUA) e outras, foram fundadas sob essa visão de influência cristã na cultura. A Reforma foi um movimento teológico, mas também cultural, que abalou as estruturas do mundo com o Evangelho!
O cristianismo sofreu muitos ataques em toda a sua história. Devido a essa realidade, os teólogos buscavam responder as questões teológicas que eram atacadas em seu tempo, como Trindade, as duas naturezas do Redentor, a Igreja, inspiração das Escrituras e assim por diante. Esses tópicos eram desenvolvidos na medida que hereges eram levantados. Contudo, foi um apologeta escocês chamado James Orr (1844-1913)[3], que se levantou pela primeira vez para formular uma cosmovisão reformada contra os ataques culturais produzido pelos iluministas e liberais. Não significa que anteriormente não existia uma cosmovisão reformada, mas não existia definições claras como foram feitas por esse apologeta.
Outro brilhante apologeta reformado que merece destaque é Abraham Kuyper (1837-1920). Ele foi ministro holandês, primeiro-ministro da Holanda e fundador da Universidade Livre de Amsterdam. Nas suas famosas palestras na Universidade de Princeton, quando falou do Calvinismo como a mais adequada cosmovisão, expressou o seu maior desejo como cristão:
Um desejo tem sido a paixão predominante de minha vida. Uma grande motivação tem agido como uma espora sobre minha mente e alma. E antes que seja tarde, devo procurar cumprir este sagrado dever que é posto sobre mim, pois o folego de vida pode me faltar. O dever é este: Que apesar de toda oposição terrena, as santas ordenanças de Deus serão estabelecidas novamente no lar, na escola e no Estado para o bem do povo; para esculpir, por assim dizer, na consciência da nação as ordenanças do Senhor, para que a Bíblia e a Criação deem testemunho, até a nação novamente render homenagens a Deus.[4]
 Vivemos dias de grande pressão cultural e social contra a nossa forma de interpretar a realidade. Muitos jovens cristãos vivem em nosso país um preconceito cultural por causa de ética e moral moldados pela Escritura. O socialismo tem penetrado nas entranhas da cultura brasileira e dominado todas as esferas de conhecimento. O ateísmo tem crescido assustadoramente e arregimentado para si, muitos jovens, e muitos destes foram criados em lares cristãos. A imoralidade e perversidade sexual tem alcançado as nossas crianças através de livros escolares e mídia na TV e na internet. O islamismo é a religião que mais cresce no mundo, e segundo projeções pode ser a maior religião do mundo até 2050.[5] O que devemos fazer diante dessa realidade?
Antes de falar o que devemos fazer, quero dizer o que não devemos fazer. Não podemos usar aquela desculpa costumeira que o fim está próximo e não podemos fazer nada! Sabemos que vivemos os últimos dias desde a primeira vinda de Cristo e aguardamos ansiosamente a consumação. Realmente com a proximidade da vinda de Cristo, a oposição será progressivamente maior, até que manifeste o iníquo e este seja vencido definitivamente por Cristo (1Ts 1.7-12). Mas essa verdade não justifica a nossa negligência em desobedecer a Deus, por não ser sal e luz no mundo (Mt 5. 13-16). Não podemos alterar o plano de Deus na história, todavia, independente do que acontecerá nos próximos anos, a Escritura nos ordena a pregar, viver e impactar o mundo com o Evangelho (Mt 28. 18-20; At 1.8; Rm 12. 1-2; 13.11-14; 1 Co 15.58; Ef 5. 15-18; Fl 3. 12-16; Cl 3. 6-7; 1 Ts 2. 12)!
O que devemos fazer? Precisamos compreender na teoria e na prática que ser cristão envolve todas as áreas da nossa vida. A vida cristã não é departamentalizada. A forma como nos relacionamos no namoro, noivado, casamento, família, trabalho, escola, faculdade, sociedade e cultura, devem ser conforme a Escritura. Quando não exercemos nossas funções e vocações para a glória de Deus, pecamos! A igreja precisa sair dos seus portões e impactar o mundo. Como? Através da correta instrução bíblica teológica, que prepare bem os membros para enfrentar a “segunda-feira” como verdadeiros servos e soldados do Reino de Cristo! A igreja tem que ser instrumento para produzir cientistas, filósofos, psicólogos, músicos, artistas, professores, engenheiros, médicos, políticos, sociólogos, que movidos pelos pressupostos bíblicos desenvolvam suas áreas de atividade com uma cosmovisão reformada.
Mas infelizmente a igreja só ora para que Deus desperte jovens para o Seminário! Não quero dizer que essa oração não é legitima, só que não pode ser apenas essa. A igreja tem que orar para Deus despertar jovens para através de suas vocações profissionais glorifiquem a Cristo e impactem a sociedade e a cultura.
Outro aspecto que não posso deixar de expor é que a igreja não pode ficar apenas na oração. A oração é essencial para expressar a nossa fé e dependência de Deus. Contudo, pode servir como desculpa para o fracasso! Como? Se a igreja local não investe em ensino teológico, a começar do púlpito, e estendendo-se para Escola Dominical, Estudos Bíblicos, reuniões, ou seja, em todas as oportunidades de ensino da Escritura (2Tm 3.16-17), não servirá como instrumento de Deus para tal despertamento e preparo desses jovens. É preciso ter exposições profundas da Escritura e aplicação adequada para a realidade da igreja e os desafios que ela enfrenta. A pregação é central para o crescimento, desenvolvimento e maturidade de uma igreja, e a arma mais poderosa do mundo, como afirmou Martyn Lloyd-Jones:
A obra de pregação é a mais sublime, a mais importante e a mais gloriosa vocação para a qual alguém pode ser chamado. Se você quer algo mais acrescentado a isso, eu diria sem hesitação que a necessidade mais urgente da igreja cristã contemporânea é a verdadeira pregação. E, visto que esta é a maior e a mais urgente necessidade da igreja, é obviamente a maior necessidade do mundo.[6]
A pregação expositiva foi a marca dos reformadores. Essa arma poderosa mudou reinos e moldou a cultura de muitos países. Se queremos ser uteis no Reino de Cristo neste século, é preciso que se comece uma maior exigência e esforço dos pregadores, professores de EBD e demais líderes que tem a oportunidade de ensinar.
Quando Paulo e Silas estiveram pela primeira vez em Tessalônica pregando o Evangelho, foi dito acerca deles (At 17. 6): “….Estes que têm transtornando o mundo chegaram também aqui.” Quisera que a mídia falasse assim de nós por Deus nos usar como instrumentos nas suas mãos para abalar e transtornar o mundo com o Evangelho!
Concluo, dizendo que a Reforma foi uma nova forma de enxergar a vida. Nova, não nos sentido de nunca ter existido essa cosmovisão, mas em relação a cegueira espiritual, teológica e cultural, que prevalecia naqueles dias por séculos. Da mesma maneira, podemos crer que segundo a vontade soberana de Deus, podemos ser usados para que o mundo novamente “sofra” o impacto dessa cosmovisão! Mas se isso não ocorrer em nosso tempo ou no futuro (antes da volta do Redentor), que morramos em pé diante dos adversários batalhando pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos (Jd 3)! A Ele seja a glória hoje e pelos séculos dos séculos! Amém.
Reverendo Márcio Willian Chaveiro


[1]                     https://comoviveremos.wordpress.com/cosmovisao/um-breve-conceito-de-cosmovisao/
[2]                      COLSON & PEARCEY, Charles & Nancy, E Agora Como Viveremos? CPAD, 1999, p. 32
[3]                     http://doutrinacalvinista.blogspot.com.br/2010/12/james-orr-breve-biografia.html
[4]                     KUYPER, Abraham. Calvinismo, Cultura Cristã, 2ª edição, 2014,  p. 11
[5]                     http://super.abril.com.br/historia/explosao-islamica/
[6]                      LAWSON, Steven, Apostila de Pregação Expositiva, FIEL, Curso de Liderança, p. 6

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